quinta-feira, 21 de maio de 2015

AS RELAÇÕES DE PATROCÍNIO ENTRE SÃO LOURENÇO, NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO E SÃO JOÃO BATISTA NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DE NITERÓI



Toda cidade tem tradicionalmente um santo padroeiro, essa crença nos remete a uma relação estabelecida na Roma antiga por Rômulo, conhecida como clientela. Todo plebeu romano, para sobreviver, colocava-se a serviço de um patrício, denominado patrono – patronus -. Os clientes recebiam dos patrícios assistência jurídica e terras para cultivo. Por sua vez, os afiliados tornavam-se fiéis aos patrícios votando segundo a sua indicação e deviam respeito a seus patronos como estes, reciprocamente, deviam-lhes proteção.
A cidade do Rio de Janeiro confia seus cuidados a São Sebastião, em Minas Gerais a esperança é depositada em Nossa Senhora da Piedade que se comemora no dia 15 de setembro, Belém do Pará é devoto a Nossa Senhora de Nazaré que origina a vislumbrante festa popular do Círio. Não apenas as cidades, pode-se constar essa relação em pequenas instituições - escolas, abrigos, hospitais e etc... -, municípios e países inteiros, como o Brasil que tem por sua padroeira Nossa Senhora Aparecida. O que deve-se observar, que para além de um contato religioso, o padroeiro tem vínculos profundos com a identidade, origem e formação de determinada localidade. O objetivo deste presente trabalho é analisar a escolha de São João Batista como padroeiro da cidade de Niterói, indagar sobre sua ligação com a história da região e formação da sua identificação. Para isso será pontuado aspectos históricos da fundação da cidade e desenvolvimento da mesma.
O personagem mais importante para história de Niterói é o índio Araribóia. Ele era filho do chefe da tribo temiminó, que se localizava na ilha do governador. Essa tribo vivia em guerra com os tamoios, que inclusive os expulsaram de suas terras após uma sequência de batalhas.  Houve portanto, uma aliança entre portugueses de Mem de sá e Araribóia, valente guerreiro que estava sucedendo seu pai para defender os Rio de Janeiro dos Franceses que investiam no projeto colonial denominado França Antártica. A razão dessa união é alarmada a partir do momento em que as forças enviadas por Mem de Sá em 1565 não conseguiram vencer os Franceses, devido à grande quantidade de índios tamoios aliados a estes. Portanto com a colônia em perigo, Mem de Sá, pede auxilio ao seu sobrinho Estácio de Sá, que copiou a mesma tática que os franceses, pedindo auxílio aos índios de Araribóia que aceitou de primeira, visto que havia a grande chance de se vingar daqueles – os tamoios – que haviam expulsado o seu povo das antigas terras de outrora.
O confronto aconteceu em 20 de Janeiro de 1567 no Outeiro da Glória, Araribóia teria atravessado as águas da baia de Guanabara nadando lutando contra as ondas de um mar agitado e desafiador. O líder temiminó foi o primeiro a entrar no confronto, com uma tocha na mão, peitos estufados, tratou de acender o pavio de pólvora dando gritos de ordem para os seus nativos avançarem com bravura em direção ao oponente. Durante a luta Estácio de Sá foi atingido de raspão no rosto por uma flecha envenenada que o levou à morte por infecção. Durante toda a madrugada estendeu-se a guerra e portugueses e temiminós saíram vitoriosos. A verdade é que, graças ao apoio de Araribóia, a operação portuguesa contra os franceses foi coroada de sucesso, ele recebeu como recompensa pelo seus feitos primeiramente um terreno em São Cristóvão, que fica próximo à ilha do governador – antiga casa dos seus. Depois em 1573 recebeu terras no outro lado da baía de Guanabara, onde teria a missão de protege-la. Tal sesmaria recebeu o nome de São Lourenço dos Índios que hoje conhecemos como Niterói.
Em um primeiro momento, Araribóia organizou a vila de São Loureço dos Índios em um terreno que tinha uma posição estratégica: se localizava no alto de um morro, propiciando vista panorâmica da entrada da Baía de Guanabara, e era cercado de manguezais, o que dificultaria uma eventual invasão pela água. Foi na Igreja de São Lourenço dos Índios, em 10 de agosto de 1583, que ocorreu a primeira encenação da mais famosa peça do jesuíta José de Anchieta: Jesus na Festa de São Lourenço.


Figura 1 " Por Iesú, mi salvador.// Que muere por mis mancillas.// Me aso en estas parrillas.// Con fuego de su amor.//" S. José de Anchieta, Jesus na Festa de São  Lourenço.

               

 S. José de Anchieta 
Auto de São Lourenço, Ato I
 Pois teu amor, pelo meu 
Tais prodígios consumou, 
Que eu, nas brasas onde estou, 
Morro de amor pelo teu.
 Por Jesus, meu Salvador, 
Que morre por meus pecados, 
Nestas brasas morro assado 
Com fogo do seu amor.
Bom Jesus, quando te vejo 
Na cruz, por mim flagelado, 
Eu por ti vivo e queimado 
Mil vezes morrer desejo  
 Pois teu Sangue redentor 
Lavou minha culpa humana, 
Arda eu pois nesta chama 
Com fogo de teu amor
O fogo do forte amor, 
Ah! meu Deus, com que me amas 
Mais me consome que as chamas 
E brasas, com seu calor

Estamos diante de fatos importantes para a identidade niteroiense, pode-se observar e ver brotar uma devoção muito particular a São Lourenço e o questionamento que se faz é: Porque São Lourenço não é padroeiro de Niterói? Sua ligação com o nascimento da cidade é tão íntimo e forte, presente em uma grande contribuição para a literatura nacional. Escolhido e homenageado na história que envolve personagens que foram fundamentais para o estabelecimento de uma das mais bela e famosa cidade do Brasil, o Rio de Janeiro certamente não seria o mesmo que conhecemos hoje se Araribóia não apoiasse os portugueses naquela batalha decisiva.  A verdade é que, a partir de 1589, uma epidemia de varíola devastou a aldeia, matando, inclusive Arariboia, São Lourenço dos Índios entrou em profunda decadência. Com esse declínio ganharam forças os núcleos de colonização portuguesa que se estabeleceram nos atuais bairros de São Domingos, Icaraí, Piratininga e Itaipu. Sobretudo os núcleos de colonização em Icaraí, Itaipu e São Lourenço foram elevados à condição de freguesias durante os séculos XVII e XVIII, sob os nomes de São João Batista de Icaraí, São Sebastião de Itaipu e São Lourenço. Pode-se observar uma referência ao nome de São João Batista. Mas esse processo foi longo, antes disso, a atual catedral de São João Batista era a Capela Curada de Carri, Carahy ou Icarahy que foi fundada em 1660, a união do nome de São João Batista à Icaraí somente pôde ser realizado um tempo depois após o projeto de uma nova catedral naquela antiga capela se lançado. No entanto, a catedral nesse momento, quando se quer havia a ideia da construção de uma nova catedral, era a Igreja de Nossa Senhora da Conceição.
A Igreja Nossa Senhora da Conceição foi construída entre 1663 à 1671 em um sítio oferecido pelos herdeiros de Martin Afonso de Souza, - Araribóia agora era conhecido com o seu nome de batismo - A família De Souza era muito poderosa e suas homenagem a Nossa Senhora da Conceição não pode passar despercebida. Além de São Loureço deve-se perguntar: Porque Nossa Senhora da Conceição não é a padroeira da cidade? Afinal, essa Igreja que se tornou catedral em seu nome é uma herança muito valiosa da família do homem que é símbolo máximo da fundação da cidade de Niterói. Curiosamente, durante o longo período em que o templo foi matriz abrigou a imagem de São João Batista, atualmente exposta na Catedral de São João Batista.
Com tantas figuras representativas na história da cidade, porque esse apego a São João Batista? As hipóteses são várias, inclusive há uma constatação que causa polêmica, a Maçonaria considera como patrono São João Batista. Seria realmente necessário uma ordem muito poderosa para sobrepor todas as outras possibilidades e manter uma forte resistência guardando essa devoção. Certo é que, essa escultura provavelmente estava em Niterói por interferência de dom João VI. Em 1819, atendendo aos apelos da população, o rei dom João VI, que costumava passar temporadas de férias no bairro de São Domingos, elevou a região à condição de Vila Real de Praia Grande. Na Igreja de Nossa Senhora da Conceição celebrou-se a cerimônia de Te Deum comemorativo a esse acontecimento. A partir desse momento, como em vários outros lugares, dom João VI ordenará a construção de uma nova catedral em dedicação a São João Batista. Houve a doação do terreno em 1821. Recebeu esta doação a Irmandade de São João Batista, já existente desde 1742. Em 1831, sendo Vigário o Padre Tomaz de Aquino, foi benzido o novo templo, para o qual se fez a transladação do Santíssimo Sacramento e da imagem que se encontrava na Igreja de N.S. da Conceição.
Duas coisas ainda ficam em aberto, primeiro se de fato dom João VI era devoto de São João Batista, e segundo se o monarca possuía algum vínculo ou admiração pela Maçonaria. O rei sempre manifestou ser encantando pela Ordem de São João, mandou fundar por meio de Alvará Régio várias Igrejas em homenagem ao santo, como exemplo, a Paróquia de São João Batista do Ipanema, Igreja Matriz de São João Batista da Lagoa, e também o mais antigo e tradicional teatro do Brasil que foi chamado de Real Theatro de São João, essa devoção tem suas motivações no próprio nome do monarca, era absolutamente natural  nessa época as pessoas ganharem o nome do santo de devoção da família ou do seu pai, e seguir sendo devoto do santo que inspirou o seu próprio nome. Quanto ao envolvimento com a Maçonaria, esse estava longe de ser amigável. No dia 3 de maio de 1818, dom João VI proíbe sob pena de morte a existência de sociedades secretas no Brasil, enquadrando nesta lei a Maçonaria brasileira. É verdade que seu filho dom Pedro I iniciou-se na loja maçônica “Comércio e Artes” com a finalidade de obter apoio político para a realização da independência do Brasil, mas isso ocorreu com a partida de dom João para Portugal, deixando aqui D. Pedro como regente, permitiu – longe o rei – a reorganização da Maçonaria no Brasil. Portanto, São João Batista é padroeiro de Niterói por uma devoção muito particular de dom Joãoo VI, que por um carinho pessoal com as terras de Araribóia dedicou suas atenções para o desenvolvimento e formação da identidade niteroiense.


Bibliografia:
       BUENO, E. Brasil: uma história. 2ª edição. São Paulo. Ática. 2003. p. 12.
BUENO, E. Brasil: uma história. 2ª edição. São Paulo. Ática. 2003. p. 19.
NAVARRO, E. A. Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo. Global. 2013. p. 60.
FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Segunda edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p.353
NAVARRO, E. A. Método moderno de tupi antigo: a língua do Brasil dos primeiros séculos. 3ª edição. São Paulo. Global. 2005. 463 p.
STADEN, H. Duas viagens ao Brasil: primeiros registros sobre o Brasil. Tradução de Angel Bojadsen. Porto Alegre/RS. L&PM. 2010. p. 119.
FRAGOSO, João Luis Ribeiro. Homens de grossa ventura, acumulação e hierarquina na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790/1930). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1992
GRAÇA FILHO,Afonso de Alencastro. A princesa do oeste e o mito da decadência de Minas Gerais: São João del Rei, 1831-1888. Publicado por Annablume, 2002, página 84






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