Todo bom
brasileiro que frequentou a escola considera um índio como um personagem quase
divino e os portugueses, uns malfeitores, vilões que perturbaram os índios com
suas crenças exigindo conversão por bem ou por mal. O presente texto não tem o objetivo de dizer
que os indígenas são pessoas ruins ou cruéis, no entanto, diante do compromisso
com a honestidade histórica, é necessário desmistificar essa imagem de seres
isentos de todo pecado que muitas vezes permeia nas aulas de história que são
aplicadas no Brasil.
Quando os
jesuítas estiveram no Rio de Janeiro em 1646 moraram em aldeias junto com os
nativos, onde dormiam, acordavam, se alimentavam e realizavam todas as
atividades cotidianas. Através da carta escrita por Francisco Carneiro que era reitor
do colégio jesuíta, sabe-se que as aldeias onde viviam, ficavam perto de
engenhos que produziam aguardente e vinho. Os índios desfrutavam da produção
dessas bebidas, e não são rara as vezes que passavam a noite em meio a
verdadeiras algazarras. Bêbados, os índios tiravam o sono dos padres. No
documento estudado, o reitor reclama que o álcool levava os índios a blasfemarem
contra Deus, os homens largavam suas mulheres para ter relações sexuais com
outras, provocavam inúmeras brigas por diferentes motivos, que ocasionavam
ferimentos e até mortes. E após noitadas tão acaloradas vários índios não
acordavam pela manhã para assistir à missa, o que permite perceber que eles só
iam na cerimônia por vontade própria. Preocupados com a missão que tinham, os
jesuítas resolveram mudar o local de três aldeias, afastando-as dos engenhos
afim de que a evangelização continuasse e que esses grupos abandonassem as práticas
desregradas. Essa tentativa não deu certo, gerou revolta e vários padres
tiveram suas cabanas queimadas.
Os padres
encontraram maior dificuldade ainda quando o portugueses que chegavam ao Brasil
começaram a se entregar as festas e dar maior volume a estas organizações
promovendo cada vez mais tais eventos. Foi necessário ao conselho municipal de
São Paulo em 1583 lançar uma proibição ao colonos de participarem das matinadas
com os índios. A historiadora Maria Regina Celestino de Almeida na tese Os
índios Aldeados no Rio de Janeiro Colonial, de 2000 escreve ”Os índios
transformaram-se mais do que foram transformados”. As festas e bebedeiras de
índios e brancos mostram que não houve só tragédias e conflitos durante aquele
choque das civilizações. Em pleno período colonial, muitos índios deviam achar
bem chato viver nas tribos ou nas aldeias dos padres. Queriam mesmo era ficar
com os brancos, misturar-se a eles e usufruir das novidades que traziam.
Algo bastante
curioso é que naturalmente a maioria das pessoas acreditam que os índios eram
seres totalmente passivos, calados, submissos e que os portugueses faziam tudo
sozinho no Brasil. É importante saber que eles precisavam de índios amigos para
entrar no mato à procura de ouro, para arrumar comidas, defender-se de tribos
selvagens e principalmente para manter acampamentos na costa da praia. E para
permanecer bem nessas terras os portugueses tiveram que realizar alianças com os
caciques estabelecendo acordo militares. Era verdadeiramente importante para um
chefe da tribo uma ajuda nas guerras, que aconteciam habitualmente. As tribos
tupi por exemplo, eram obcecados pela guerra. Os homens só ganhavam permissão
para casar ou ter mais esposas quando capturassem um inimigo desafiador. Entre
os tupinambás, os prisioneiros eram devorados numa festa que reunia toda a
tribo e convidados da vizinhança, em meio a essas festas surge a palavra
“mingau” que vem da pasta feita com as vísceras cozidas do aprisionado a ser engolido.
Concluo
dizendo que em diversos momentos o Brasil teve necessidade de criar e
reinventar seus personagens patrióticos, a fim de alcançar os objetivos políticos
almejados, diante das informações apresentadas esperasse um fortalecimento do
senso crítico dos que estudam história, afim de ir além e entender as nuanças
características de cada trabalho e a aquisição de uma sensibilidade para
perceber como o imaginário é construído a partir de direcionamentos planejados.
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