A CRISE ICONOCLASTA NO IMPÉRIO BIZANTINO SOB INFLUÊNCIA DOS
ÁRABES
Fábio Valentim Ferreira
RESUMO
Este texto objetiva analisar a relação entre as práticas iconoclastas dentro do império
bizantino de Leão III e a influência política dos árabes do islão.
PALAVRAS-CHAVE: Iconoclastas; império bizantino; muçulmanos.
Nos séculos VIII e IX ocorreu no império bizantino um movimento chamado
iconoclastia que agia perseguindo pessoas que veneravam imagens e quebrando esses objetos
devocionais. O termo é originário da tradução e união das palavras gregas eikon (ícone ou
imagem) e kláo (quebrar). O islã desde a sua origem negou a possibilidade da representação
pictórica de Deus. Esse conceito doutrinal é proveniente de uma interpretação do Pentateuco
judaico (Ex 20, 4-5) que proíbe a confecção de imagens de deuses pagãos. O Corão (III, 43)
define essa incompatibilidade e afirma que deste modo Jesus Cristo não poderia ser o Deus
encarnado, ele não seria uma representação carnal de Deus e por isso é considerado apenas
um profeta como tantos outros. Portanto pode-se considerar que a crise iconoclasta é uma
consequência natural das lutas cristológicas que agitavam o mundo oriental.
Quando se trata do impasse das imagens no império bizantino retrata-se com
frequência uma disputa teológica interna, causando a impressão de que as reflexões sobre o
uso ou a proibição das esculturas é levantada pelos estudos religiosos dos teólogos dessa
região e neles teria o seu princípio. O maior polemista desse tema no império é o imperador
cesaropapista Leão III, o Isáurico, de origem síria da Manicéia, hoje conhecido Marrocos,
sabedor do monofisismo e de educação islâmica apresentou durante um longo período a sua
oposição as imagens sacras, se a aversão que Leão III propaga era de fato teológica deve-se
duvidar da sua fidelidade aos estudos das escrituras e sua pratica como seguidor destes
ensinamentos. Afinal, o Isáurico mandou confeccionar a sua própria estátua para ser
carregada no cerco de 717 em procissão pelas ruas quando o seu império era alvo do Califado
Omíada. A verdade é que Leão III a princípio não era contra a utilização das imagens, a
utilização de esculturas na império bizantino era bastante difundida pelo monges e uma
devoção bastante arraigada entre o povo. Essa pratica é justificada deste o início do
cristianismo onde pode-se observar nas catacumbas romanas do século II muitas imagens
retratando Jesus, Maria, José e relatos bíblicos. A figura na catacumba de Priscila ilustra três
jovens na fornalha, alusão a história do livro de Daniel, vê-se também o bom pastor e Maria,
mãe de Jesus. Na cripta de São Marcelino, Jonas sendo vomitado pela baleia e Noé, dentro de
sua arca. Onde jaz São Sebastião observa-se inscrições funerais de um peixe que em grego
significa ICTUS veladamente essa palavra professava com as letras iniciais “Jesus Cristo,
Filho de Deus, Salvador” bastante comum nas representações. Para além das catacumbas há o
testemunho dos chamados padres da Igreja que eram personalidades importantes referentes
aos quatro primeiros séculos da era cristã. Orígenes de Alexandria foi um teólogo e filósofo
neoplatônico, considerado fundador da ciência bíblica nascido em 185 d.C. era escritor e
bastante influente e respeitado em sua época acerca das imagens. Em seu escrito chamado
Contra Celso (2, 40) escreveu:
Assim sendo, portanto, cada justo que imita o melhor que possa o
Salvador, ergue uma estátua à imagem do Criador. Realiza isto
contemplando a Deus com um coração puro, tornando-se uma réplica
de Deus (...). Deste modo, o Espírito de Cristo habita, se assim posso
dizer, em suas imagens". (DE ALEXANDRIA, s.d.)
Essas palavras com certeza influenciaram grande parte da Igreja, Orígenes era
catequista e foi ponto referencial da Escola de Alexandria, junto ao seu pensamento alguns
anos depois estava Basílio Magno de Cesaréia, nascido em 329 d.C. seu pai que era advogado
e professor apresentou o escritos de Orígenes para Basílio que conhecendo e não teve
dificuldade em propagar os mesmo ensinamento na Capadócia, Constantinopla e Atenas
estando sempre a dizer: "A honra prestada a uma imagem venera nela a pessoa que nela está
representada" (Spir. 18,45).
A compreensão sobre o significado da utilização das imagens era algo realmente
difundido nessa região talvez esses ensinamentos tenham inspirado a confecção das inúmeras
imagens nas catacumbas do cemitério que está no terceiro marco na via Labicana, perto de
uma vila imperial pertencente a Constantino. A difusão dos ensinos sobre os ícones pode ter
sido também trabalho do irmão de Basílio Magno, Gregório que foi bispo de Nissa e havia
participado do primeiro Concílio Ecumênico de Constantinopla em 381 d.C. dentre os
pensamento de Gregório destacava-se a interpretação de que o homem é a imagem e
semelhança de Deus, ou seja, de alguma forma o homem era uma ilustração do próprio Deus.
Esse bispo, manteve-se preocupado com as causas populares e se empenhou na catequese dos
mais humildes, justificando o uso das imagens afirmou: "O desenho mudo sabe falar sobre as
paredes das igrejas e ajuda grandemente" (Penegírico de São Teodoro).
A verdade é que os cristãos davam valor as imagens porque entendiam que ser contra
as representações pictóricas podia acarretar prejuízos a doutrina da encarnação do verbo de
Deus. Para além disso, a questão teológica que envolve esse assunto estava resolvida entre os
estudiosos dessa época, a proibição escrita no livro do Êxodo é repetida da seguinte forma em
Deuteronômio: "Não farás para ti, nem levantarás nenhuma estátua, coisas que o Senhor, teu
Deus, aborrece." (Deut. XVI, 21). A continuação da pesquisa sobre o tema aponta-nos que no
mesmo livro do Êxodo, há a ordem divina de fazer a conhecida Arca da Aliança para que nela
se guardassem as tábuas dos dez mandamento, os detalhes da confecção exige que haja dois
querubins feitos de ouro batido (Ex. XXV, 17-22). Se Deus proibiu fazer "estátua alguma do
que há em cima do céu", como pode ordenar que se faça as estátuas de dois querubins,
determinando colocá-los exatamente sobre a arca em que se guardaria a Lei que proibe fazer
imagens? No Livro dos Números no capítulo XXI é relatado que os judeus se rebelaram
contra Deus porque os tirara do Egito, diante da rebeldia ocorreu uma punição, e o povo foi
atacado por misteriosas serpentes. Segundo o relato o povo rogou a Moisés que intercedesse a
Deus, e o pedido do profeta foi atendido recebendo a ordem de fazer uma serpente de bronze
que era uma imagem na qual todos aqueles que olhavam para ela ficavam curados. Vê-se que
agora, as ordens são em favor da confecção de imagens e para além disso havia realização de
milagres por meio delas. Pode-se encontrar outros exemplo do incentivo à produção de
esculturas em I Reis, VII, 25; I Cr. V, 23-24; 29; 32; 35; I Cr. XXVIII, 17-18. Quanto a
proibição citada anteriormente é necessário observar que os povos vizinhos de Israel
possuíam seus ídolos e levantavam estatuas para idolatra-los. O Deus de Israel adverte os seus
para que não se confundam na pratica pagã e assim proíbe a produção de estatuas que eram
colocadas no seu lugar para serem adoradas roubando toda a glória que lhe era devida. A
sequência dos fatos permite-nos diferenciar uma imagem de um ídolo, evidenciando que
quando esse objeto age em favor de Deus é aceito e quando toma o seu lugar é banido. Essa
compreensão, como já foi demonstrado através de estudos arqueológicos nas catacumbas e
escritos de influentes teólogos da época está presente na mentalidade dos cristãos dos
primeiros séculos.
Quando questiona-se sobre as influências da ideia iconoclasta recebidas pelo
imperador bizantino pode-se com razão excluir possibilidades da parte ocidental, a Igreja
romana com toda certeza não colaborou com essa teoria. Dentro do império bizantino a
oposição as ideias iconoclastas do imperador também era forte, fechou-se inclusive a
Universidade, porque grande número de professores opunha-se a essa opinião. A hierarquia
eclesiástica bizantina, junto com o Patriarca Germano I de Constatinopla também foi unânime
em recusar a proposta colocada em discussão. São João Damasceno, que era monge e
importante escritor da Igreja bizantina dentre as suas obras consta os três tratados sobre as
imagens onde escreve:
Não adoro a matéria, mas o Criador da matéria (...). Quando se trata
de imagens, é preciso considerar a intenção daqueles que a fazem. Se
a intenção é justa e reta, e se o fazem para a glória de Deus e de seus
santos, por desejo da virtude, de fuga dos vícios e para a salvação das
almas, é preciso recebê-las como imagens (...), é preciso venerá-las,
beijá-las, saudá-las com os olhos, os lábios, o coração. Tratam-se da
representação do Deus encarnado, ou de sua Mãe, ou de seus santos,
companheiros de sofrimentos e da glória de Cristo" (Das Imagens 1,8;
2,5.10).
Sobrou a Leão III enviar uma série de tratados com pedido de apoio ao Papa Gregório
II ameaçando-o de deposição caso não o apoiasse. Gregório lhe respondeu ignorando o
auxílio e se posicionando a favor das imagens. As ameaças do imperador Leão III revoltaram
uma massa de fiéis que gerou grandes protestos na Itália clamando por uma posição firme do
Papa contra as rebeldias do líder bizantino. Nesse cenário consequentemente conclui-se que a
base influente da doutrina iconoclasta não estava entre os cristãos tanto ocidentais quanto
orientais. Considerando as probabilidades de influência estuda-se a posição judaica sobre a
questão, no campo teológico é pertinente atentar que um estudo cuidadoso do pentateuco por
parte de um judeu o levará a conclusão que já foi exposta sobre a diferenciação entre ídolo e
ícones. Para Alain Besançon, a proibição bíblica presente na Torá é suficiente para explicar a
condenação da representação das imagens de outros deuses, mas não a das imagens que
pudessem representar seu próprio Deus através de pessoas intimamente ligadas a ele e sua
história (BESANÇON, 1997, p.116). Na prática constata-se a confirmação desta compreensão
nas inúmeras imagens com as figuras do profetas confeccionadas em sinagogas judaicas
dentre elas Dura-Europos na Síria, outra na Palestina e o próprio templo de Salomão que era
repleto de esculturas. Esse ponto não apresenta implicação na permanente concepção da não
representatividade do soberano YHWH tal como ele é, portanto o fato da religião mosaica não
possuir tantas ilustrações de Deus não se deve a uma rejeição radical de imagens, mas sim a
uma proibição de aderir a outros deuses. (KAUFMANN, 1989, p. 138).
Excluindo a vertente judaica, resta indagar os fatos ocorridos e perceber as sutilezas da
influência dos muçulmanos no processo iconoclasta. O império bizantino passou por
momentos difíceis sob o comando de Teodósio, o cobrador de impostos, que governou por
dois anos, após um período de vinte anos de ataques e ocupações árabes nas fronteiras
territorial. Teodósio após não ter sucesso em sua gestão entregou o poder imperial ao
candidato do exército Leão III que queria reorganizar o império promovendo a unidade
política, e as imagens eram um ponto de discórdia entre cristãos e muçulmanos. Esse
imperador, tinha índole absolutista e dizia textualmente que era “Imperador e sacerdote”,
atropelou todo tipo de advertência por parte das autoridades eclesiásticas, e pouco lhe
importava a opinião dos patriarcas, considerava que como imperador tinha o direito e o poder
de desatendê-los. Leão III, contava com conselhos de um amigo chamado Beser, cristão sírio
que fora capturado pelos árabes e convertido ao islamismo, quando liberto influenciou a
forma de pensar do imperador em suas decisões acerca das imagens. Beser também era amigo
próximo de Sarantapeque, o judeu palestino apelidado pelo gregos de “quarenta côvados de
altura” que havia sido o grande influente das atitudes iconoclastas do Califa Yezid que no ano
723 da nossa era ordenou a proibição de imagens em Igrejas, sinagogas e casas de seus
súditos não muçulmanos.
Seguindo a estratégia de unificação política Leão III, propôs o mesmo aplicando um
golpe emitindo seu decreto sobre o iconoclasmo com base em sua própria autoridade se
considerando um pontífice, um sacerdote-rei conforme disse em outra oportunidade ao Papa.
O imperador utilizou de uma assembleia nomeada silention que foi composta por leigos com
altos cargos no império, homens de sua própria escolha e confiança, realizou-se no Palácio
especificamente no Triclínio dos Dezenove Leitos com o objetivo de promulgar, através
desta, uma lei religiosa que lhe possibilitasse manobras relacionadas a unidade política
desejada, aproximando-se dos padrões dos incansáveis reinos árabes. O Patriarca Germano
recusou acatar tal lei e declarou ser sua doutrina religiosa a dos Concílios Ecumênicos, após o
desconsentimento despojou-se de suas vestes patriarcais deixando o Patriarcado vacante.
O cargo manteve-se desocupado por um tempo em que o imperador não conseguiu
encontrar um sacerdote disposto a assumir tais ideais, até que, Anastácio acolhe o posto e
envia uma carta sinodal aos demais Patriarcas, comunicando sua adesão à doutrina do
Imperador. Devido à forte aliança do Imperador e do Patriarca com os militares, a partir de
então clérigos, monges e monjas foram decapitados e mutilados, por um perseguição violenta
que quebrava todas as imagens domésticas e das Igrejas. Os monges que eram quase os únicos
a oferecer resistência tinham seus mosteiros destruídos, saqueados e transformados em
quarteis, arsenais pertencentes aos aliados militares. Foi proibido o hábito monástico, com o
objetivo de ridicularizar os religiosos que não se inclinavam a doutrina do imperador, muitos
monges tiveram seus olhos furados, barbas queimadas e os cabelos arrancados. Leão III
morreu em 740, durante os dez últimos anos de seu governo houve excessiva destruição de
ícones e pinturas sagradas em todo território bizantino.
BIBLIOGRAFIA
AQUINO, Felipe. A intercessão e o culto dos santos. São Paulo: Editora Cléofas, 2010.
ARRUDA, José Jobson de Andrade. História antiga e medieval. São Paulo: Ática, 1982.
BESANÇON, Alain. A Imagem proibida: uma história intelectual da iconoclastia. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
BETTENCOURT, Estevão. História da Igreja Mater Ecclesiae. Rio de Janeiro: Letra Capital,
2012.
BÍBLIA, Português. A Bíblia de Jerusalém. 2ª impressão. São Paulo: Editora Paulus, 2003.
DE ALEXANDRIA, Orígenes. Contra Celso. In:
MICHAELIS. Dicionário de Português Online. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=Pentateuco>. Acesso em: 12 nov. 2014.
NABETO, Carlos Martins. A fé Cristã: Coletânea de Sentenças Patrísticas. Vol.3. São
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RUNCIMAN, Steven. A Teocracia Bizantina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
KAUFMANN, Yehezkel. A religião de Israel: do início ao exílio babilônico. São Paulo:
Editora Perspectiva: Editora da Universidade de São Paulo: Associação Universitária de
Cultura Judaica, 1989. Coleção Estudos v. 114.
SITE CONSULTADOS
http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/s_gregorio_de_nissa_antologia.html
http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/hagiografia/s_basilio.html
Boa noite professor, queria saber o que essa imagem a cima representa.
ResponderExcluirTenho que fazer uma pintura sobre o Império bizantino e estou totalmente perdida, por favor, help! Kkkk
Angélica, boa noite! A imagem acima é meramente ilustrativa e não seria útil para o seu trabalho. Sugiro que leia o seguinte artigo: http://www.suapesquisa.com/artesliteratura/arte_bizantina.html
ResponderExcluirAcredito que sua pintura deve sobretudo, ser uma demonstração do estilo mosaico. Ou seja, seu professor deseja que você construa uma imagem utilizando-se de vários recortes pequenininho de algum material. Repare que a arte bizantina utiliza-se de várias pedrinhas pequenas para construir o desenho.
Espero ter ajudado, e fico a disposição para tirar possíveis duvidas.